Val da Boa Esperança, onde recentemente foi descoberta uma jazida de 60 mil quilos. Foto: Virgília Vieira
Ninguém nega a riqueza do tálio. O tálio é um metal raro somente produzido na China e no Cazaquistão. Recentemente, foi descoberta uma jazida em Barreiras de 60 mil quilos. Só que o tálio, como tudo que é riqueza, tem seu lado negativo. É conhecido como o veneno dos venenos. Pode matar em pequenas porções. Toda e qualquer exploração do metal deve ser feita com muito cuidado. A dona da concessão da exploração do produto é a empresa Itaoeste, que está se habilitando a montante equivalente ao ganho bruto de R$ 810 milhões, conta obtida usando o preço médio do grama de R$ 6 e o dólar comercial médio de R$ 2,25. O total da jazida encontrada em Barreiras equivale ao consumo mundial de seis anos, estimado em 10 toneladas anuais. O sócio majoritário da Itaoeste é o empresário Olacyr de Moraes.
Só que a alta toxidade do produto deixa algumas questões entre as pessoas ouvidas pelo Jornal do São Francisco que precisam ser avaliadas. A primeira delas é qual é a utilidade do tálio e como o metal pode mudar o destino de Barreiras; para o bem ou para o mal? A soma de faturamento bruto, baixo no universo de grandes empreendimentos na área de mineração, justifica investir pesado? Mais produção de tálio significa maior oferta e menor cotação. Não estaria a extração do tálio ligada à retirada de manganês e cobalto, substâncias geralmente encontradas com o tálio? Segundo os geólogos, o tálio está sendo substituído gradativamente pelo tungstênio, exatamente em razão da sua toxidade. Há panos para mangas a serem discutidos por geólogos, ambientalistas, geógrafos, produtores rurais, pecuaristas e químicos.
Sem falar do lado B desta questão, os pontos mais negativos. O tálio já foi usado como veneno de ratos e de formigas e é tido como cancerígeno – o que levou muitos países a proibir a sua comercialização. Para se ter uma ideia, apenas um grama de tálio pode matar alguém, se ingerido. Em quantidades menores pode danificar o coração, medula espinhal, pulmões e até o cérebro. Historicamente, o tálio é um veneno associado a assassinatos políticos e a heranças milionárias porque não deixa vestígios físicos no sangue e resíduos nas vísceras. Segundo espiões americanos e ingleses, Saddam Hussein, o ditador iraquiano, usava tálio para eliminar seus oponentes. A substância era diluída nas bebidas oferecidas aos prisioneiros. O serviço de espionagem americano informou que Fidel Castro também teria sido envenenado com tálio, como prova, a perda progressiva da sua barba, mas este fato não foi confirmado por agentes britânicos. E o metal teria sido a causa do envenenamento fatal do ex-espião russo Alexander Litvinenko, na Inglaterra, em 2006.
Descobriu-se que ele morreu de exposição a um isótopo radioativo. Nos seriados CSI e Criminal Minds, ambos na lista dos dez mais vistos do mundo, há dois casos envolvendo o tálio como instrumento de assassinato. Em um deles, uma enfermeira, uma assassina em série que tem seu perfil desvendado pelos profissionais especializados em traçar personalidades, matava os pacientes velhinhos e terminais. No episódio de CSI, a equipe do Criminal Scene Investigation encontra na Biblioteca de Antiguidades Branch, em Nova York, um livro manchado de tálio. Todo mundo que tocava o livro morria.
A dúvida é o preço da incerteza
O engenheiro civil na Universidade Federal de Bahia (Ufba), Roberto Bagattini Portella, que é doutor em engenharia ambiental, é um dos que lembra que o tálio tem dois lados. “Ninguém nega que o tálio é uma riqueza. O tálio é um elemento químico, é um metal pesado e só há em dois lugares no mundo. Barreiras é o terceiro lugar em que é encontrado. Há uma diferença. Na China e no Cazaquistão, o tálio é encontrado na superfície do terreno. Aqui, está na crosta terrestre”, disse. A grande dúvida de Roberto Portella é no que Barreiras deve ganhar e no que pode perder com a extração de tálio.
“O assunto tálio é meio obscuro. Sabe-se muito pouco e isso assusta. É preciso discutir melhor, mostrar os efeitos do metal; suas vantagens e desvantagens”, disse, lembrando que há relatos de que, há 40 anos, um senhor de origem asiática já visitava a região do Vale da Boa Esperança para estudar os metais encontrados ali. O interesse pelo estudo não é de hoje, mas o especialista alerta: até nos países mais desenvolvidos, os estudos sobre o metal são raros. Esta associação é que é perigosa no entender do doutor em engenharia ambiental. “Estes oligopólios querem explorar metais raros, em rincões longínquos e distantes, onde ainda não há pleno desenvolvimento. Este é o perigo.
Qualquer migalha que for oferecida, mesmo que de forma enganosa, parece valer à pena”, disse.
Roberto Portella citou como exemplo o caso da metalúrgica de Santo Amaro da Purificação, que fica a 72 quilômetros de Salvador. “Santo Amaro era um rincão abandonado no Recôncavo Baiano. De repente, chega lá, na década de 50, uma fábrica de chumbo, com a promessa de modificar toda a cidade. A fábrica se instalou e, após alguns anos, começaram os problemas de contaminação. A fábrica funcionou 23 anos, de 1960 a 1993, deixando um rastro de contaminação sem precedentes e abandonando a exploração”, contou. A história contada pelo mestre da Ufba é a da empresa francesa Penarroya Oxide, que é líder mundial na produção de óxidos de chumbo destinados à fabricação de baterias, cristais, plásticos e tubos de televisão. Atuava no Brasil por meio da subsidiária Companhia Brasileira de Chumbo (Cobrac). Em 1989, a Cobrac foi vendida e incorporada à empresa Plumbum Mineração e Metalurgia Ltda., pertencente ao Grupo Trevo.
Metal teria sido a causa do envenenamento fatal do ex-espião russo Alexander Litvinenko, na Inglaterra, em 2006. Foto: Reprodução
“A indústria pertencia a um destes conglomerados que se têm por aí. Esta é a minha preocupação”, disse, referindo-se ao fato de que a extração pode aumentar os problemas ambientais na região do Rio de Ondas, além da possível contaminação. Ainda de acordo com ele, o problema pode ser agravado pelo fato de se ter, entre outros, o manganês, o cobalto e o calcário. Portella, no entanto, entende que a exploração do tálio, associada à de outros minerais, pode alavancar a economia. “Vai depender muito do que será feito. Por exemplo, eles poderão explorar o tálio em outro local e não fazer todo o processo aqui”, explica.
Em relação ao fato de a jazida estar sobre o aquífero Urucuia, o engenheiro ambiental lembrou mais uma vez dos problemas relacionados à falta de informação sobre o que é o tálio. “O metal é extremamente móvel. Não é tão simples assim não. Ele tem o poder de não ser estático. Ele se locomove pelos poros do solo. Em função disso, teoricamente ele pode atingir os lençóis d´água mais rapidamente. Tudo dependerá dos processos de mineração do tálio”, explicou. Eis uma questão bem preocupante para todos. Os ambientalistas alertam que as reservas ficam às margens do Rio de Ondas, que abastece a cidade de Barreiras e é procurado também para o lazer. O dono da Itaoeste disse, em audiência pública realizada em Barreiras, em abril, que não é intenção da empresa passar perto desse rio.
Responsabilidade e fiscalização
Mesmo com a promessa do empresário, diz que a exploração do tálio só pode dar certo se houver fiscalização com responsabilidade. “Como esta atividade exige muito dinheiro e há decisões que não são da esfera municipal, é difícil ter controle por parte da sociedade, mas a tecnologia nos permite fazer projeções mais precisas”, lembra. O engenheiro alerta que o Governo costuma incentivar mais o desenvolvimento econômico do que a sustentabilidade. “Há outras questões a serem esclarecidas neste debate. Será que uma empresa que explora tálio em Barreiras seria a marca do desenvolvimento regional? Será que a empresa pode minimizar, de alguma forma, os impactos negativos que o tálio possa trazer?”, questiona.
Em seu ver, o ideal é que a mina de tálio ficasse em um lugar só. “Este fato permitiria ter um controle ambiental muito maior. É melhor ter um impacto menor sobre uma área do que em uma espalhada, e o tálio está em uma área bem grande, em todo o Vale da Boa Esperança. O que vamos ter aqui, em vez de ter um ponto de mineração, são vários pontos. Isso é mais perigoso”, reforça. O engenheiro civil destaca outro problema na exploração. “Pode-se retirar o manganês; dele extrair-se o tálio. Recoloca-se tudo em cima, mas aí fica uma questão: a chuva. O solo vai lixiviar e as substâncias vão cair no Rio, no lençol freático”, considerou. Roberto Portella defende, por exemplo, que antes de toda e qualquer exploração do tálio, faça-se um estudo sobre os efeitos que o minério tenha gerado na população do Vale da Boa Esperança. “Este estudo poderia dar sinais de como fazer de forma correta a exploração do tálio”, disse.
Diante dos prós e contras da exploração do metal, o engenheiro entende que se há o risco, por menor que seja, de causar dano ao meio ambiente e à vida de alguém, a exploração deve ser bem pensada. “Se estes riscos existirem, incluindo o bioma, os estudos devem ser aprofundados. Bem aprofundados”, disse. A reportagem entrou em contato com a Itaoeste e elencou uma série de perguntas à empresa. Até o fechamento desta edição, a redação não obteve o retorno da assessoria de imprensa da empresa.
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